Sónar Lisboa em 2025: um festival a encontrar-se

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Mais um ano, e o Sónar Lisboa continua a fazer o seu caminho. Desde que chegou a Portugal em 2022, o festival tem sido um slow burner – ainda que sempre na sombra do seu incontornável irmão catalão, o “nosso” Sónar vai-se afirmando pouco a pouco. Em muitos aspetos, 2025 parece ter sido mais um passo na direção certa.

Ao contrário do que acontece em Barcelona, no entanto, o festival carece ainda de implantação na cidade de Lisboa, e passa despercebido aos mais desatentos. Crédito à curadoria que tem feito por mudar isso, e que este ano voltou a trazer muita da música eletrónica mais entusiasmante que se faz na capital portuguesa, com takeovers de influentes labels nacionais e espaço para nomes emergentes da cena local.

Foi, por isso, com bastante expetativa que seguimos para o Pavilhão Carlos Lopes no sábado (já depois da sexta-feira inaugural, um dia mais contido, com a presença de Richie Hawtin como headliner). A nossa atenção estava virada para os palcos secundários, que ocupavam a área envolvente ao pavilhão, estendendo-se pelo Parque Eduardo VII. Só que, à imagem do festival, também a tarde demorou a carburar.

DJ Narciso, com novo álbum na bagagem, abriu o takeover Príncipe x Tra Tra Trax. O pouco público presente aproveitava o sol, estendido na colina relvada à frente do palco, mas o produto da RS não se fez rogado e deu a tónica para um palco que juntou duas labels dedicadas a sons localizados – a Batida da periferia lisboeta e os ritmos de club latino-americanos, via Colômbia – com um alcance cada vez mais global. Lomalinda reforçou o encontro, misturando reggaeton futurista com gqom e kuduro, mas só Lycox conseguiu agarrar um crowd à altura da ocasião e confirmar o “casamento perfeito” (palavras do próprio).

Ao mesmo tempo, na sala principal – onde a acústica continua a ser um berbicacho, como já muitos apontaram – King Kami inaugurava uma rave às duas da tarde. Naquele que foi um dos highlights mais consensuais do festival, a DJ brasileira, radicada em Portugal, montou uma carta de amor a João Pessoa, a sua cidade natal, com releituras eletrónicas do brega funk e as batidas Volt Mix de que já é embaixadora.

De volta ao jardim, o takeover da Dengo Club reafirmava um importante espaço de queerness e inclusividade, pelas mãos de uma festa que, em pouco tempo, se tornou indispensável na noite lisboeta. Foi aqui que encontrámos outro destaque: San Farafina, canadiana em representação da Moonshine, assinou um set de referências afrocêntricas que passeou por caminhos underground, enquanto mantinha a pista firmemente na sua mão. É a isto que chamam aura, não é?

Ficámos pelo palco da Dengo, e fomos recompensados. Primeiro, com Lua de Santana, cantora que cresceu entre a Galiza e a Bahia, e que faz o funk mandelão conviver com reggaeton e ritmos de club desconstruídos. Depois, com Saint Caboclo, fundador e residente da Dengo, que misturou as culturas que unem o coletivo num cartão de visita dançável, e que deixou ainda a promessa de um lançamento com o Sónar.

Já com o sol a pôr-se, voltámos ao SónarPark para um dos momentos mais aguardados do festival: o b2b de DJ Firmeza – há muito um gigante da Batida –, com Nick Léon, produtor norte-americano que tem guiado os ritmos latinos por diferentes coordenadas. O duo improvável, que se conheceu pela primeira vez minutos antes de entrar em palco, alcançou uma sinergia imediata num set de espontaneidade crua e vibes imaculadas. Chapéu a quem promoveu este encontro.A noite foi longa, entre diferentes flavors de techno e rave, e nós também não arredámos pé – até porque só às 05h30 conseguimos entrevistar Nina Kraviz, que nos recompensou com 20 minutos de conversa e um convincente sotaque português.

Regressámos já no domingo, para o último dia do festival, mas não éramos os únicos a sofrer as mazelas da noite anterior. A afluência da tarde demorou a aparecer, mas isso não beliscou os sets de QUANT, Maki – dois exemplos de talento brasileiro radicado em Lisboa – e da portuense NOIA, com um showcase da sua seleção uptempo, que de atípico só teve a luz do dia.

Já com o recinto bem cheio, tivemos de fazer piscinas entre palcos para tirar notas de dois dos melhores sets do festival. No SónarPark, Amor Satyr & Siu Mata mostraram que estão na linha da frente da club music experimental, atravessando sons de rave minimalistas, funk desconstruído e “speed dembow”. Ao mesmo tempo, no palco da Enchufada, o londrino Hagan fazia desfilar a sua brand única de afro-bass, cruzando um arsenal percussivo com o garage e o UK funky.

A saudável competitividade manteve-se pelo resto da tarde. De um lado, Clementaum – sempre com a mala ao ombro – viajava entre o baile funk e o tribal house, arrastando um público devoto e consolidando o estatuto de ícone queer. Do outro, Pedro da Linha jogava em casa, disparando hinos do clubbing lisboeta. A balança só desequilibrou quando Mu540, responsável por encerrar o takeover da Enchufada, alinhou clássicos do mandelão, montou uma rave pós-apocalíptica, e pôs o público a cantar Lykke Li.

Já não havia energia para Jeff Mills, e demos por encerrada a nossa cobertura do Sónar 2025. Foi proveitosa. Não haverá por cá muitos festivais com uma curadoria de música eletrónica tão diversa e competente, atenta à vanguarda da experimentação musical dentro e fora de portas. O desafio restante passa por se afirmar como um ponto cultural obrigatório, o que implica também uma maior acessibilidade ao público local. Mas este reparo não é original, nem separável de discussões mais amplas sobre a sustentabilidade dos festivais. E está longe de ser um problema exclusivo do Sónar – estaríamos muito bem, se assim fosse. Por agora, venha 2026.