A Gucci aproveitou a Milan Fashion Week para levantar o véu sobre as suas propostas para as estações quentes do próximo ano. A coleção primavera/verão 2020 é reveladoramente descrita como “stripped-back”, a procura por uma essência movida por ideais de resistência, um questionar do potencial subversivo da moda num mundo como o nosso. Apropriadamente, a matriz da coleção é a noção de “biopolítica”, como avançada pelo filósofo francês Michel Foucault: a ideia de que, na modernidade, os mecanismos de poder exercem um controlo específico sobre os nossos corpos, sobre a própria vida biológica, decidindo a legitimidade de cada existência.
A missão de Alessandro Michele revelou-se assim como uma exploração da moda enquanto veículo de liberdade, de abertura de novos horizontes de possibilidades, “cultivando promessas de beleza”, como anunciou o próprio designer, projetando-nos para além do status quo. As peças em desfile acompanharam o mote, apresentando tons vivos (apesar de uma inusitada presença da cor preta); a surpresa, contudo, residiu na sua simplicidade – os gimmicks habitualmente presentes nas coleções da Gucci deram lugar a uma estética clean, longe da ostentação de outras coleções de Michele. As referências, de resto, estiveram em vários momentos mais próximas do workwear e da funcionalidade. De notar, ainda, a presença de vários patches anunciando “Gucci Orgasmique” e “Gucci Eterotopia”, uma referência adicional ao pensamento foucauldiano.
O momento mais polémico, contudo, antecedeu o próprio desfile, num pequeno prelúdio. Para ilustrar a tensão entre a liberdade prometida e as limitações impostas por uma sociedade de controlo, Michele – conhecido pelo seu lado provocateur – vestiu vários modelos com peças monocromáticas em branco, quase todas variações de coletes-de-forças, rementendo-nos para um asilo psiquiátrico. Uma das modelos em desfile, Ayesha Tan-Jones, apresentou um protesto silencioso contra esta decisão criativa, que viu como particularmente insensível, abrindo as mãos e revelando as palavras “Mental Health is Not Fashion” – “a saúde mental não é moda”. Na sequência do desfile, a modelo anunciou que doaria todo o dinheiro recebido a instituições de apoio à saúde mental. Michele, contudo, não fugiu à discussão das suas opções criativas, argumentando que a representação dos coletes-de-forças pretendia revelá-los enquanto forma radical dos mesmos controlos que a sociedade nos impõe diariamente.
Se quiserem julgar por vocês mesmos – tanto as peças de roupa como as ressonâncias políticas – o vídeo do desfile completo está disponível abaixo.