Mac Miller, 1992-2018.

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A notícia foi avançada ao princípio da noite de ontem pela TMZ: aos 26 anos, Mac Miller foi encontrado sem vida, em casa, vítima de uma aparente overdose, o trágico desfecho de uma longa relação com o abuso de substâncias. “He was a bright light in this world”, escreveu a família num breve comunicado, e a comunidade hip hop ecoou o sentimento, com reações de amigos próximos como Earl Sweatshirt e Chance The Rapper a veteranos como Q-Tip e Snoop Dogg.

Fica a ideia de que passou um cometa – que, além do óbvio talento, teve uma trajetória peculiar. O rapper de Pittsburgh, recorde-se, surgiu na cena cunhando um punhado de mixtapes, que desembocaram no lançamento de Blue Slide Park, álbum independente que o catapultou para o topo da lista da Billboard. À época, contudo, perseguia-o o rótulo de “frat rap” – rap para um grupo demográfico vincadamente masculino, branco e de idade universitária, sumariamente encapsulado num interlúdio satírico do seu álbum seguinte, em que Loaded Lux fala em “Easy Mac with the cheesy raps”. É precisamente este álbum, Watching Movies with the Sound Off, que representa um avanço estratosférico na sua carreira; outrora uma figura alienada da comunidade hip hop, Mac mudara-se de malas e bagagens para Los Angeles e surgia agora a ombrear com nomes como Earl Sweatshirt e Action Bronson, sobre produções de Flying Lotus, Alchemist e Pharrell Williams – além de um surpreendente showcase de talento do próprio Mac Miller atrás das máquinas. O disco, contudo, abria também a porta aos demónios que o perseguiriam: o peso da fama e do sucesso súbito haviam-no conduzido à prometazina e à codeína, e as músicas sobre erva e conquistas românticas davam agora lugar a um sentido e pesado testemunho de vulnerabilidade.

A sua trajetória artística seria consolidada nos anos seguintes. Faces, de 2014, é um disco sobre ascensão e queda, uma exploração a céu aberto da sua relação com as drogas – numa linha que antecipa um desfecho partilhado fala-nos de um “drug habit like Philip Hoffman”. É um registo de alguém inexoravelmente empurrado para a autodestruição, mas que, como escrevia a Pitchfork na altura, vê na música a única salvação. Em GO:OD AM, soa rejuvenescido e dá graças pelos amigos que o ajudaram a navegar os períodos mais complicados da sua vida; esta seria, contudo, a tónica dos anos seguintes: constantes viragens de página, repetidas folhas em branco, momentos de otimismo alternados com quedas no abismo. Não seria sequer necessário um intenso trabalho exegético para notar a presença continuada dos problemas que o assaltavam: “White lines be numbing them dark times/ Them pills that I’m popping, I need to man up/ Admit it’s a problem, I need a wake up/ Before one morning, I don’t wake up”. Já The Divine Feminine fugiria um pouco à linha discográfica, mas é um importante capítulo para quem quiser contar a história de Mac Miller. O projecto carrega, na emoção e na direção artística, a marca indelével da relação com Ariana Grande, cujo espectro pairaria sobre os últimos meses da sua vida. Em Maio último, o rapper esteve envolvido num acidente de carro enquanto conduzia “sob influência”, e em entrevista a Zane Lowe reconheceria a necessidade dessa wake-up call, anunciando nova viragem definitiva. O episódio, contudo, ditaria o fim do seu relacionamento – no Twitter, Ariana descreveria a relação como “tóxica” e apontava o abuso de substâncias como evidente dealbreaker. O mês passado trouxe-nos, com Swimming, um Mac Miller em busca de sarar feridas abertas, rimando abertamente sobre a dor da separação e o seu estado mental. Em nenhum momento fica a ideia de uma performance, ou de uma tentativa de lavar roupa suja no estilo recentemente trilhado pela família Carter; pelo contrário, a honestidade que atravessara toda a sua carreira encontrava aqui o ponto mais alto. O álbum tem contornos catárticos, e muitos reconheceram nele um tímido otimismo, traído pelo trágico desfecho de ontem.

 

Haverá muito a lamentar: à enorme perda humana, junta-se a curiosidade pelos caminhos sonoros que Malcolm McCormick poderia ainda ter calcado, uma perceção acentuada pela sua trajetória tão única e em constante ascendência. Num ano lutuoso para a comunidade hip hop, este é um golpe particularmente duro para uma geração de ouvintes que cresceu em paralelo com o seu desenvolvimento artístico, e que reconhecia em Mac Miller o signo constante da autenticidade.