Crack Kids Lisboa: 10 anos, 10 momentos

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A história começa em dezembro de 2009, com a abertura de uma loja dedicada ao graffiti no Bairro Alto. Dez anos volvidos, a localização e o nome mudaram, mas a essência da Crack Kids Lisboa – anteriormente Montana Shop – continua igual, local de eleição para os writers locais e ponto de referência no Cais do Sodré.

Para saber mais sobre esta década de sucesso, estivemos à conversa com Miguel Negretti, mais conhecido por Dj Glue, responsável pela Crack Kids. O desafio passou por eleger dez momentos que encapsulassem estes dez anos – que vão desde a parceria com o Teatro do Bairro aos murais que agora se fazem no Domus. Eis, então, uma lista definitiva.

1. O Início

Comecemos pelo início, o dia de abertura da loja e galeria no Bairro Alto, a 10 de dezembro de 2009. O artista visual Insa era então responsável por cobrir as paredes da loja, a que se somou uma serigrafia e um vestido assinados pelo londrino, que ainda apadrinhou o Bairro Alto com um mural da sua autoria.

As metas estabelecidas pela equipa da Montana eram já então claras: desafiarem-se a si e aos artistas que com eles expunham, estimulando o mercado envolvente, e investindo nas serigrafias.

2. “This is not graffiti”

O segundo momento incide sobre o segundo ano da loja, com a primeira exposição de AKACORLEONE, amigo e afiliado da loja, que como tantos outros artistas iniciou a sua carreira pela Rua da Rosa. Glue reforça que foi uma das exposições com que mais se identificou, para ela “a pura representação do graffiti”. Intitulada de “This is not Graffiti”, Corleone focava-se em seis passos na formação de um writer, dividindo a galeria em momentos acompanhados de uma serigrafia. Quais os seis passos? “Make your mark on society!”, “2 cross or be crossed…”, “Once you taste steel you don’t go back!”, “Be quick or be in jail!”, “Snitches need stitches”, e “Become the King and crush toys!”.

3. A primeira lata

O protagonista voltava a ser Pedro Campiche – também conhecido por AKACORLEONE – ainda no ano de 2010. A loja celebrava então o primeiro aniversário, que assinalaram com uma lata personalizada – a primeira no panorama nacional. AKACORLEONE já tinha uma relação com a Montana Shop que precedia a abertura das portas, uma vez que desenhara todos os elementos gráficos; a sua escolha para assinar a lata comemorativa foi, portanto, óbvia. O resultado é um tributo à história da loja e da cidade, totalizando 500 unidades assinadas e numeradas, que chegavam em dois tons – amarelo e branco.

4. Aryz

O reconhecimento do público português estava conquistado, mas o segundo aniversário, em 2011, recebeu uma maioria de convidados estrangeiros. Aryz foi o convidado especial, num momento de trailblazing – tornou-se o primeiro artista internacional a assinar um mural em Lisboa, e criou a primeira serigrafia da sua carreira, aventurando-se pela impressão. O artista manteve Lisboa como tema da sua exposição, que moldou o seu processo criativo, e que batizou de “Process Drawing” – apropriadamente, só uma peça foi definitivamente terminada, uma serigrafia a cinco cores.

5. Push Click – A Primeira Exposição Coletiva

É também em 2011 que acontece a primeira exposição coletiva. Numa homenagem aos arcade games – desde as frustrações de esperar um quarto de hora para um jogo carregar, até aos heróis que populavam o imaginário infantil dos vários artistas – a exposição contou com Add Fuel, AKACORLEONE, Fidel, Jucapinga, Min, Phomer, Target, e Tosco. O evento não se ficou pela parte visual, contando com explorações gráficas e sonoras pouco comuns à época.

6. Unindo Criativos

O sexto momento marcante é também o aniversário – o terceiro, em 2012 – que envolve uma proposta feita à Viarco e a Vhils. A marca portuguesa de lápis começava então a comercializar os seus produtos na loja do Bairro Alto e, aproveitando a oportunidade, Glue propôs recrutar Vhils e escavar a capa de um cartão, trabalhando o seu relevo para simular a técnica que o artista desenvolve em paredes. O momento marcou um encontro intergeracional, proporcionado pela Montana, que se tornava cada vez mais incontornável.

7. Artistas emergentes

A galeria nunca se desviou do seu foco principal: o apoio a artistas emergentes; consequentemente, inúmeros nomes que hoje temos como estabelecidos iniciaram-se na Montana. Tal é o caso de Mário Belém, cliente assíduo da loja, que foi aposta desde o início, resultado do reconhecimento das suas capacidades; também Bordalo II (na foto), artista plástico que explora as questões ambientais, e Cola, um agora ilustre writer português, passaram pelas paredes da Montana. Cola é, precisamente, um dos nomes que Glue destaca – numa das suas exposições mais bem sucedidas, recriou uma linha férrea, carris incluídos, para simular a experiência de pintar um comboio.

Nem só de artistas nacionais se fez a programação, contudo, e a Montana trouxe nomes de países vizinhos, como Espanha e França, mas também de outros continentes, caso de Phil America. O estadunidense assinou a exposição fotográfica “Above the law”, retratando writers na missão de pintar comboios, uma tentativa de elevar a sua liberdade acima da lei. Os nomes internacionais permitiram aos artistas portugueses estabelecerem contactos e serviram de estímulo ao seu desenvolvimento – foi também o caso de Vino, writer espanhol, e a dupla de Horte e Finsta. Em tempos recentes, a Crack Kids tem recuperado o investimento em artistas emergentes – foi o caso com Conferee ou Hatory Pabllo.

8. Friends & Family above all

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O quarto aniversário da loja, em 2013, assumiu contornos ligeiramente diferentes, mas sem abandonar o graffiti: foi com uma churrascada entre familiares e amigos, em Alcântara, que se assinalou a data. O dia começou com um mural coletivo, assinado por Vino, Risco, Whatatsok, Glam, Nurea, Mister, Bonus e Que, e acabou no Lux, com uma festa em ambiente familiar. Ainda antes de Glue ter a curadoria das noites Cream nas mãos, a festa serviu de premonição para o que estaria ainda para chegar.

9. Do Bairro para o Cais

Estávamos em 2016 quando a Montana Shop & Gallery passou a Montana Shop, introduziu o Montana Café, e passou para o Cais. É o espaço que hoje conhecemos, e revelou-se um momento crucial – não só pela nova dimensão do espaço, mas porque agora tinham também um espaço de convívio, que permitiria chamar um público mais desligado do universo do graffiti. Significou também um ponto de crescimento: dos dois funcionários originais, a loja chegou a ter dez, uma dimensão inimaginável nos seus primórdios.

10. Crack took over Montana Lisboa

O último momento é também o mais recente: em 2019, deu-se a mudança de Montana Lisboa para Crack Kids Lisboa. Foi momento de voltar às origens. Glue fez regressar as exposições, com o mesmo foco em artistas emergentes, e que temos testemunhado em meses recentes. A parceria com a Pistola y Corazon trouxe a TacoShop#1, juntando-os ao mundo da restauração através do ponto comum que era o hip hop. A nova visão pressupunha também tornarem-se numa loja multimarcas, fazendo crescer a variedade da oferta. Enquanto Crack Kids, tornaram-se assim numa entidade coletiva de vários criativos, funcionando também como estúdio. Da música ao design – nunca esquecendo as origens no graffiti – foi assim que a Crack Kids se tornou no que é hoje.

Havia, no entanto, algo que estava por fazer. Os planos de tornar a Crack Kids numa marca materializaram-se há um ano, na celebração do décimo aniversário, com o lançamento de uma primeira coleção cápsula.

Foram estes os dez momentos que marcaram a primeira década de vida da Crack Kids Lisboa, mas conhecemos-lhe também os objetivos futuros. O primeiro passa pelo contínuo investimento no Crack Kids Studio, o coletivo de criativos presentes em áreas tão distintas como a música, o graffiti, a fotografia, e o vídeo; o plano é dar a conhecer o trabalho desenvolvido e encontrar novos mercados. Um segundo objetivo é a consolidação de Crack Kids enquanto marca, que promete acontecer a curto prazo. O terceiro e derradeiro objetivo teve já início em Barcelona, mas começará a ocorrer com mais regularidade: o “Crack Kids Takeover Worldwide”, aproveitando as relações criadas pelo graffiti e pela arte, estender-se-á de Berlim a Nova Iorque.

A mais uma década de sucessos!